sexta-feira, 30 de março de 2012

UMA HISTÓRIA DE POETAS

A Presidente da Academia Itajubense de Letras  presenteou seus  membros com um belo texto ficcional usando trechos e ditos retirados dos trabalhos dos mesmos. Um mimo inspiradíssimo e trabalhoso. Vejam vocês quanta criatividade e desenvolvimento através desta viagem ao trem do tempo.

                         Uma história de Poetas
                                                          Maria de Lourdes Maia Gonçalves
A Linha do Tempo chega à estação em tarde de sol do mês de agosto. Ando a passos largos, não quero atrasar a locomotiva prestes a partir. Em suas janelas, ilustres pessoas acenam a sorrir e seguem alegres para festejar o encontro que foi combinado. Ouço a voz de uma senhorita: “Bem-vindos! Todos são ao regressar ao nosso lar da poesia”. A senhora divertida e ávida por novidades quer saber se na viagem conseguirá raridades. “Tem bálsamo para saudade? Tem incenso de Anis? Gotinhas da mocidade? Tira as rugas que eu não quis?” Outra estimada senhora observa atentamente a paisagem da vertente que conheceu diferente “Para onde foram os “chorões” que abeiravam o rio? Balouçavam ao vento, gemiam na tempestade, sussurravam aos namorados. Sabiam cantar... Para onde foram?” Não havia quem soubesse...
Quando se entra na Linha do Tempo é como se estivesse a refrescar a alma em água purificada pelas musas que habitam as fontes. Por isso a pressa em saber “Vocês viram a felicidade? Sabem onde ela mora? Poderiam me informar o endereço dessa senhora? Calma, minha gente! Isso aqui é um passeio! Vocês podem aguardar as respostas sem tanto anseio? Pondera o senhor com voz de barítono e passos de quem conhece o caminho. Outro que estava ao seu lado, cantarolando uma valsa, fica animado e convida a cantar bela modinha. A música é oração e toda poesia é canção. “Um homem se aproxima e pergunta ao poeta: – Afinal, para que serve a poesia?” Com uma pergunta dessa não há quem fique calado, ainda mais naquela Linha do Tempo, em que o tempo passa depressa sem pressa de acabar. Um poeta veterano do animado passeio pede a palavra e então, adverte sem receio: “Para bem escrever sua poesia você vai precisar de solidão. E a solidão é má, golpeia, é fria, nos deixa esfacelado o coração”. Mas a Irmãzinha querida que tece as lembranças da infância, interrompe os pensamentos e, com todo o sentimento, discorda do trovador. “Para gritar na gruta do EU profundo: Amo a vida! Sou feliz! Sou feliz!” Certamente, em seu estado solitário a simpática senhora conversa com o Criador. Ou então, na gruta do “EU profundo” onde existe imensa fresta e lago de azul-turquesa, há ninfeias e Bem-te-vis. Isso é muito relativo... a questão da solidão. Para alguns, é terna brisa que refresca o pensamento; para outros, sofrimento...
O Sol já dava sinal de que ia se esconder, a conversa animada, ninguém queria perder um só “dedinho de prosa”. A moça que ri bonito faz convite irrecusável para se cantar uma música que lembre a mocidade. “Assim ela exerce o seu domínio sobre nós, suave e displicentemente”, já que a tarde cai dolente e logo virá o poente. Cantar sem um instrumento não é fácil, desafina!... Por que não vamos buscar o violão ali na esquina? O poeta cantador se lembrou de sua estrofe e, antes que alguém falasse, contou seus versos depressa, antes que a festa acabasse. “O violão, esse instrumento, de formas tão delicadas, lembra corpo de mulher e, às vezes curvas de estrada. Se o assunto é mulher, são curvas delineadas; em se tratando de estradas, são curvas acentuadas”.
De repente, um susto enorme! A Linha do Tempo se complica nas trilhas curvas da serra. Perigo iminente castigando aquela gente que alegre seguia em cada estação. Mas foi só um susto, passou bem depressa. Foi só a corrente da frente que ameaçou de se soltar pelos ares, como passarinho aprendendo a voar. De volta à tranquilidade o poeta que veio dos mares e escolheu morar junta à montanha, afirma “Essa mulher é feita de mar, de mistério e procela, de vento e de vela que parte e regressa, que parte e regressa. Que parte e regressa”. Tais versos agradam os homens. Mulheres são misteriosas como as águas oceânicas, brilhantes e inatingíveis como as estrelas no céu... Dizem alguns; lembram deusas mitológicas, possuem a fortaleza das rochas, afirmam outros. São belas como uma aquarela impressionista de mil cores, versáteis como o canto de mil coloraturas... Sublimes como o som da harpa ou o canto da cotovia...
A chuva começa a turvejar a paisagem vislumbrada nas janelas desse lar que corre solto. O poeta faz trocadilhos com os outonos vividos. “São seus cabelos que pratearam pelas geadas de invernos ou foram simplesmente banhados pelo reflexo do luar?” São perguntas de difíceis respostas. São segredos que a vida reserva e que o homem apenas conjectura... São segredos de amor, compartilhados apenas com o tempo. E por falar em amor “Eram tão lindas as cartas de amor que, cheia de saudade, ansiosa eu lia...” Ternas lembranças, mas... “O tempo passa, a vida foge, e tudo em mim revolve sem que eu possa compreender”. Faça como os passarinhos, que constroem seus ninhos e cantam e voam apenas por entenderem que viver é sentir. Porque viver é sonhar na corda bamba da vida, como bem disse a poetisa “Cobrimos os nossos sonhos com uma lona colorida e fazemos da esperança malabarismos na vida” e vamos vivendo, sonhando, cantando e nossos ninhos fazendo, assim como os passarinhos. Ou então, buscar na magia da fantasia “o murmúrio do riacho a procurar o grande rio”. Mesmo que tenha que se chorar de tristeza, mesmo que não se encontre a resposta... “Por que amar tanto assim, se este amor só existe numa saudade sem fim?” Não adianta medir “O amor sincero e puro que em meu coração agasalho”. Tampouco compreender “Quem sou eu na peregrinação eterna da poesia? Essência do que existe e sempre existiu?... Essas coisas são próprias dos poetas... As ilusões etéreas do próprio pensamento, sim, são asas de anjos ou de estrelas que os induzem a reinventar o mundo. Com palavras, com lágrimas e sorrisos.
O jovem estudante bem próximo aos três poetas pergunta qual deles lhe explicaria a relação entre lágrimas e estrelas; palavras, mares e sementes. Um deles disse que a semente é a estrela da terra; as palavras, algumas vezes nos levam às lágrimas e, se forem muitas, abrirão caminho e chegarão ao mar. As estrelas e os mares alimentam as palavras, as lágrimas e as sementes. O jovem diz não ter alcançado o real sentido da mensagem, mas, entende que a poesia não precisa ser real, poesia tem de ser feita de acordo com os sentimentos, por isso temos licença de com os sonhos lidar. Pega o jornal e pede atenção para os versos: “Com muitos usos, formas e falares, que se expandiram através dos mares, a bela língua em todo o orbe está”. E prosseguiu: “As lágrimas vertidas molharam muitas vezes as folhas de um caderno onde eu, apaixonado e com desvelo terno, compus cartas de amor... que nunca foram lidas!” Esperem, esperem, estou entendendo agora: “As palavras, para serem escritas, precisam germinar ideias”. Pergunta ainda o estudante se pode confiar nas palavras e nas estrelas... “Amigos fieis estão sempre por perto, meu caro jovem”. E confessou gostar dos versos que seu pai declama ao entardecer. “Quando o sol se debruça na serra acolhendo as estrelas no céu, cancioneiro se acende na terra, dedicando canções de cordel” As musas sorriram nesse instante. “E elas sorriram com uma pitada de orgulho e outra de alívio pela chegada dos filhos”, dos filhos poetas, inclusive o jovem estudante, que andava triste e agora agradece: “Minha mãe, Deus lhe pague por ter me ensinado que o sorriso sempre volta”. E na medida da soma dos passos... “Então, o tempo nos mostra que nem tudo vem quando pedimos”... Tem a hora certa. De começar e de acabar. “Sem querer... tudo... tudo vai passando no turbilhão da vida descuidada. Um a um nossos sonhos vão findando. Feliz da consciência imaculada”.
A Linha do Tempo volta à estação junto com a Lua e a brisa da noite. Junto também vem todos os sorrisos e as esperanças; todas as bagagens de tempos diversos, tempos que se foram e ainda virão. Como diz a “Poderosa da Mantiqueira” – alcunha atribuída carinhosamente pelo amigo paranaense, o jornalista e poeta Jorge Fregadolli – “Alegra-me o que foi para traz ficando... olhando à frente, antecipo o gosto de, logo ali, ver alguém me esperando... e vou chegar alegre e bem disposto!”
Com o regresso, a certeza da leveza do espírito estampada no sorriso de quem esteve em boa companhia. De quem as canções cantadas em serestas foram revividas. Serenatas preservadas em arquivos que jamais se apagarão: a memória do sonhador... Cantar – e poesia é belíssimo canto – é prazeroso e alonga o existir. Que na Montanha os poetas continuem a cantar suas serestas, escrever seus versos e passearem na Linha do Tempo nas tardes de domingo. “Que a montanha continue a chorar, mas sim, de alegria, jorrando suas lágrimas para o bem da natureza e de todos”.
Quando um dos poetas, já na plataforma, olhou para o céu ouviu a voz de outro poeta que dizia: “do alto vê-se melhor as criaturas e não se sucumbe às tentações e às dores”. O homem de branco tem toda razão. Ele segue feliz a solfejar poesias em outras galáxias.
O dramaturgo Francis de Croisset dizia que a leitura é a viagem de quem não pode pegar um trem. Nós, na Linha do Tempo, fizemos muito mais que isso: cantamos canções e poesias no trem.
E para encerrar o nosso passeio, agradeço “Aos amantes da boa música de seresta e, àqueles que sempre ouvem e colaboram com o programa “A saudade em seresta”, o meu afetuoso abraço, muito obrigado pela audiência e boa noite!”

Prezados Companheiros,

Esta é a minha homenagem para vocês. Escrita a partir de trechos de poesias e crônicas dos trinta acadêmicos (escritos entre aspas e em itálico). Aqueles que não estão aqui correspondem aos quatro membros que, lamentavelmente, deixaram de frequentar a nossa entidade e às seis cadeiras vagas, exceção feita a Fernando Roselet Armentano Silva – não poderia deixar de incluí-lo nesta demonstração de apreço e admiração.
Agradeço-lhes a boa acolhida, esses anos de convivência, o afeto e a amizade que nasceram e cresceram em jardim de terra fértil e água farta, a generosidade típica dos que trazem a poesia à flor da sensibilidade de tal maneira e intensidade, que jamais alguém poderá extirpá-la. Muito obrigada pelo apoio que tenho recebido. Cada um de nós é peça importante da mesma engrenagem. Unidos poderemos realizar feitos grandiosos que elevem cada vez mais o nome da Academia Itajubense de Letras e, com isso, engrandecer o nosso povo e a nossa terra através das criações literárias e do amor à rica e bela Língua Portuguesa.
Fraterno abraço,
Maria de Lourdes Maia Gonçalves.
Itajubá – 18 de março de 2012
Primeira reunião da Diretoria 2012-2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário